4. Todo mundo quer uma melhor amiga

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Nunca tive tanto tempo livre quanto naquela época sem trabalhar, mesmo assim meus dias pareciam curtos. Voltava do colégio e assistia televisão o dia inteiro, já não me importava em encontrar ou não trabalho. Ainda mais depois que o ex-namorado da minha mãe prometeu que acabaria com a minha reputação para todos do ramo do entretenimento. Penso que deu certo, não tive nenhuma oportunidade de teste por meses. No entanto eu não estava assim tão triste, agora eu tinha uma melhor amiga no colégio e isso me fazia sentir especial.

Ela era tão divertida quanto irresponsável, era uma delícia imitar as suas despreocupações. Nós íamos ao mercado e comíamos os chocolates sem pagar, ela ria, dizia que não tinha problema desde que não fôssemos pegas. Eu gostava daquele perigo, daquele jeito de se vingar do mundo com um bom chocolate suíço da parte mais cara da prateleira. Até comecei a perder o medo e querer voltar nos lugares furtados quando ela dizia: "Não vamos voltar lá, é assim que os criminosos são pegos, quando voltam ao lugar do crime". Como ela sabia dessas coisas?

Olhando para aquela época, percebo que ela não era uma boa influência para mim, eu estava me tornando ela aos poucos. Mas era tão bom ter alguém para chamar de amiga, alguém para ir ao cinema e até mesmo para falar mal de alguém que odiamos em comum; é assim, aliás, que muitas amizades começam.

Ela era recém-chegada na cidade, então por muito tempo eu fui sua única amiga. Pensei que éramos iguais, antissociais rejeitadas pelas populares, mas as poucos ela foi conhecendo os outros estudantes e antes que me desse conta, ela já cumprimentava todo mundo pelo nome. Fiquei para trás.

Mas continuamos amigas, mesmo que não fosse com aquela irmandade inicial que tínhamos construído. Eu tinha ciúmes dela, claro, ainda mais quando a via com todas aquelas meninas lindas e metidas que me ignoravam diariamente. Mas eu não poderia dizer nada, não queria afugentar a menina. Era bom ter uma melhor amiga, mesmo que fosse compartilhada.

Ela me chamava para ficar no grupinho de garotas no intervalo das aulas. Eu juro que tentava me fazer de simpática, mas a timidez e  insegurança não me deixavavam arriscar nenhum comentário interessante. Aos poucos eu ia sendo ignorada, ao ponto que estar ou não no meio delas nem era notado. Mas ela não desistia de mim, sempre me chamava para os eventos, mesmo que não pudesse me dar toda a atenção.

No final do ano letivo ela se mudou de colégio, mas ela não se importava com isso, era normal se mudar todo ano devido ao trabalho dos pais dela. Até hoje me pergunto o que eles faziam para precisar viajar tanto.  Me lembro de um vez ter visto eles darem um canivete suíço para a filha, e ela me mostrando depois com naturalidade e dizendo: você já sabe como usar isso né?

Ela prometeu que continuaríamos amigas para sempre, e por muitos meses nós continuamos conversando diariamente por mensagens e por telefone, depois passou a ser semanalmente, até que o telefone dela mudou sem que me avisasse. Nunca mais a vi nem soube dela, mas ainda hoje torço para que esteja bem e feliz.

Por muito tempo ainda a considerei minha melhor amiga, mesmo que não a visse por meses. Afinal, não tinha ninguém para preencher a vaga. Às vezes me imaginava conversando com ela sozinha no quarto... podemos agir como maluca quando nos sentimos solitária.

Foi nessa época que desfiz mais esse mito, de que a amizade verdadeira é para sempre. Nem todas as amizades duram, aliás, a maioria está condicionada ao tempo e espaço, mas isso não significa que a amizade foi fraca ou sem valor. Ela me ensinou que as amizades tem prazo de validade, por isso temos que aproveitar quando encontramos alguém que nos faz rir e nos sentir especiais.

Não adianta, o único relacionamento longo e duradouro que teremos é com a gente mesmo.

Quando aprendi essa lição me senti muito esperta, até cair no poço profundo e manipulador chamado primeiro amor. Porque se nem amigos duram para sempre,  porque namorados durariam? Ahh a paixão! Quão felizes seríamos sem o mito romântico do amor eterno para arrancar a paz dos nossos corações?

Quisera eu ser incapaz de me apaixonar. Eu poderia ser, ao menos, menos infeliz. Mas quis o  destino que eu fosse uma mulher apaixonada pelo amor.

Nunca fale sobre UnicórniosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora