Prólogo

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Meu trabalho era atender pessoas e telefonemas, não carregar arquivos de um lado para o outro.
É isso o que uma recepcionista faz.

Quando Harriet, minha companheira nas lidas e colega de bancada, faltava, era como se o mundo desabasse. Ainda mais em dias estressantes e agitados, com o prédio cheio de arquitetos e empresários irritados, apressados para resolver seus próprios negócios; todas as três salas de reuniões ocupadas e minha agenda na mesma situação, ainda com mais coisas para agendar; e a presença de um patrão estranhamente tranquilo no meio de uma confusão de pessoas e frases. Eu também ficaria tranquila se ganhasse metade do que ele ganha.

Meus braços já estavam cansados, pois desci três andares carregando uma pilha de pastas e documentos. O dia seria daqueles que a gente reza para chegar em casa e esquecer o que viveu. Eu estava meio morta, sem falar do mal estar pelas últimas noites muito mal dormidas por acompanhar minha mãe. Já não sabia como lidar com sua piora no hospital e, tudo que eu fizesse me esgotava facilmente, porque quase todas as minhas energias estavam direcionadas a tentar fazê-la sentir-se melhor.

Respirei fundo antes de entrar na sala de arquivos, que ficava no andar subterrâneo, e ao abrir a porta, fui recebida por uma nuvem de poeira que pairava do outro lado. Tossi freneticamente e sacudi minha mão livre em frente ao meu rosto, tentando afastar a poeira; tomei coragem e entrei naquele breu empoeirado, torcendo para não despertar alergias. Liguei o interruptor e uma luz amarelada tomou conta do ambiente, deixando a atmosfera do local um tanto assustadora. Caixas cheias de documentos velhos se amontoavam em um canto enquanto estantes cheias de pastas se estendiam espremidas na sala mal cuidada. Já estou arrependida de não ter adiado essa tarefa.

Obviamente, o pessoal da limpeza não frequentava aquele lugar há um longo tempo. Talvez eu fosse a única pessoa a entrar lá. Pelo menos uma vez no mês era preciso livrar o balcão de papeladas, mas eles insistiam em guardar documentos já que, em casos judiciais, esses papéis seriam provas essenciais. Bom, se alguém processasse a empresa, teríamos documentos com mais de 10 anos, então estava tudo ótimo. Eu sempre desconfiei que tudo fosse desculpa de acumuladores compulsivos, mas quem seria eu para opinar? Ah, a Heather Colbert, aquela que carrega arquivos de um lado para o outro.

Tentei ser rápida, mas levei tempo para achar o lugar certo dos arquivo e a cada minuto se parecia horas lá dentro. Sentia meu peito doer a cada inspiração e meus olhos lacrimejavam em contato com a poeira. Eu estava, com toda certeza, muito ferrada com essa situação.

Voltei correndo para o balcão, depois de estender ainda mais meu caminho ao passar no banheiro, o meu patrão e diretor da empresa, Neville Tamer, estava encostado no mármore frio enquanto conversava com um homem. No momento em que o vi soltei um gemido fraco, só de pensar na dor de cabeça que viria depois de uma bela bronca.

"Você não pode deixar o balcão vazio!" "E se o presidente aparecesse? O que vai acontecer com o seu emprego?!"

Era difícil trabalhar sem Harriet, muito difícil. ConstruVille Inc. é uma construtora renomada, onde a todo tempo recebe clientes importantes - digo, muito ricos - que precisam do serviço de excelência da empresa.

O ditado diz: o que vem fácil, vai fácil, mas foi difícil conseguir o emprego de recepcionista e faço de tudo para mantê-lo. Nem foi uma realização, mais uma facilidade, pois ainda tenho meus desejos e metas, como trabalhar na minha área - administração - e ajudar minha mãe para que ela não dependa de meu irmão, Bruce. Sempre cumpro minhas responsabilidades rigorosamente, mesmo que nos últimos dias tenha sido difícil devido às complicações que agravaram a tuberculose que dominou minha mãe e que estão arruinando minha vida aos poucos.

Até carrego arquivos de um lado para o outro. Deveria ganhar um aumento.


Antes de me candidatar, chequei as exigências e eu me encaixava em todos os quesitos, além de receber um bom salário e a oferta de vale-transporte e alimentação. Desde então eu soube que não ia ser moleza, mas não sabia que teria dias tão puxados e estressantes, e nem sabia que teria de carregar arquivos de um lado para o outro. Não é a toa que contrataram duas recepcionistas e o pessoal da limpeza.

Me aproximei em passos apressados, já ajeitando meu terninho. Respirei fundo e exibi meu melhor sorriso no momento.

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- Bom dia, Sr. Tamer.

Tamer sorriu, gentilmente, enquanto me advertia com o olhar.


- Bom dia, Srta. Colbert.

Enquanto me cumprimentava, o homem que conversava com o Sr. Tamer a minutos antes de minha chegada, virou-se e no mesmo momento senti um arrepio subir pela minha espinha. Grandes e instigantes olhos verdes me encaravam, enquanto seus lábios exibiam perfeitos dentes brancos e alinhados. Traços másculos eram capturados por minhas lentes observadoras, sem perder detalhes.

- Este é Adam Gilbert, um velho amigo prestes a fechar um próspero negócio com nossa construtora.

O Sr. Tamer deu um sorriso largo e já eram notáveis algumas rugas nos olhos e na testa. Mesmo com sua jovialidade natural, e não importava quanto fios grisalhos ajudassem a denunciar sua idade, isso não o fazia menos atraente.

Adam Gilbert estendeu sua mão para cumprimentar-me. Seu aperto foi firme e, diga-se de passagem, quente. Quase literalmente.


- Muito prazer em conhecê-lo, Sr. Gilbert.

- O prazer é todo meu, Srta. Colbert.

Então lança-me aquele sorriso, de novo. Senti uma inquietação estranha, um nervosismo que me fez querer sair de perto, mas não podia e nem devia. Ele conseguia ser instigante e, ao mesmo tempo, intimidador, no sentido de afastar alguém que parecesse menor.

Sr. Tamer pediu-me para não deixar que os incomodassem, pois eles tratariam de negócios pela manhã, e antes de ir, solicitou - ordenou é a palavra certa - que chamasse Elena Johnson, uma das arquitetas, para orientar o projeto. Quase me ajoelhei e implorei para que não fosse preciso chamá-la, mas mantive minha postura mais do que profissional, no momento. Que dia.

Elena Johnson era a melhor arquiteta da empresa, premiada nacionalmente por projetos públicos. Seu nome era como mel na boca dos chefes da construtora, que se enchiam de orgulho por ter uma ótima arquiteta na equipe. Excelente profissional. Péssima pessoa. Seu passatempo preferido era escravizar seus subordinados e quando estava de mau humor, gostava de tratá-los como lixo para descontar suas dores de cabeça.

Ao subir para o andar onde os arquitetos ocupavam suas estilosas e modernas salas, encontrei Elena falando ao celular na porta do banheiro. Desacelerei o passo e tentei chegar perto somente quando ela terminasse sua chamada, mas ela me viu pelo canto do olho. Não tinha mais volta, teria de encarar a fera. Em vez de me olhar enfadada, Elena fez sinal para que eu me aproximasse rapidamente.

- Neville já chegou?


Seu tom de voz era de grande intimidade e eu poderia dizer que seria desconfortável se eu não estivesse acostumada com o seu jeito.

- Sim, Senhora. Ele pediu que a chamasse, para ir a sala dele. Provavelmente um cliente assinará o contrato e o Sr. Tamer deseja que coordene o projeto.

Elena sorriu e balançou levemente a cabeça, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.


- Você sabe o nome do cliente?


A clara expectativa denunciava muitas esperanças dedutíveis. Por exemplo, um velho cliente.

- Hum... - Como eu poderia esquecer o nome daquele homem? Hã! Lembrei. - Adam Gilbert.

Elena abriu mais os olhos e, com certo pudor, perguntou:


- Olhos verdes?

- Sim.

Balancei a cabeça lentamente, observando com cautela sua expressão variar de maneira suspeita. Era notável a sombra de um sorriso cheio de duplos sentidos em seus lábios vermelho-cereja, mas logo Elena cortou qualquer clima sugestivo e disse que estaria lá em um instante.Ao longo da tarde, o fluxo de pessoas regressava consideravelmente e eu me sentia aliviada. A agenda estava cheia de compromissos, anotações e recados, mas tudo isso poderia ser rapidamente resolvido quando Harriet também estivesse aqui. Eu já fazia mais do que minhas obrigações e trabalhar por dois não estava na minha lista.


Faltavam duas horas para o fim do expediente e até lá eu só precisaria ser paciente e dizer "Boa tarde. Bem-vindo(a) à ConstruVille. Em quê posso ajudá-lo?" e informar o cliente sobre o que fosse.Tinha tudo para ser só mais um dia e o Universo sabe como eu daria qualquer coisa para que fosse. Mas não foi.A chefe do setor de Recursos Humanos me chamou na sala da psicóloga ao final do expediente. Eu já estava esgotada àquela altura do campeonato e me sentia uma ultramaratonista. Claro que eu desconfiei, até então eu nunca havia sido chamada no lugar a não ser quando fui contratada, mas quem disse que o cansaço me deixou pensar?Quando entrei em seu escritório, um sentimento de alerta me dominou ao notar seu olhar cauteloso, como se pensasse em o que dizer.

Minha preocupação só aumentava a cada rodeio que ela dava ao mencionar o hospital no qual minha mãe estava internada. No momento achei que seria demitida ou algo assim, era a única linha de raciocínio que me tomava e minhas preocupações eram sobre meu futuro. Quando ela pediu para que me acomodasse em uma das cadeiras, fiquei tensa, mas quando percebi que sua expressão ia além de algo que a gerente poderia fazer com um simples estalar de dedos, meus movimentos já estavam no automático.Nunca desejei tanto que o problema fosse comigo.Quando a notícia veio, meu mundo parecia se quebrar em milhares de pedaços, em cacos que mutilaram uma parte de mim e que eu achava que nunca conseguiria juntar novamente.

Minha vida nunca mais seria a mesma.

.

...

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Revisão: @Crazy_Nutelleira

Oi gente!
Aí está a introdução da estória.
Muito obrigada pela atenção de vocês!

Esta é a segunda versão de The 2 Of Us, mas a oficial e já está completa. Não será retirada do Wattpad, não tão cedo, então aproveitem com calma. Espero que gostem (muito)!

Vejo vocês nos comentários!
Até a próxima ;**

The 2 Of Us - Livro 1. Duologia The 2 Of Us.Where stories live. Discover now